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Mainz, a cidade que foi o Vale do Silício do século XV

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Mainz fica às margens do rio Reno, na Alemanha, e é conhecida por sua catedral, pela sua produção de vinhos e por ser a terra natal de Johannes Gutenberg, que nasceu na cidade por volta de 1399 e morreu em 1468 – há 550 anos, e foi o pioneiro da imprensa na Europa.

Gutenberg inventou a primeira máquina de impressão com tipos móveis da Europa, a qual deu início à revolução que marcaria a transição da Idade Média para a História Moderna no mundo ocidental.

Os chineses inventaram, muitos séculos antes, um método de impressão com blocos de madeira, mas a técnica com tipos móveis nunca foi muito popular no Oriente, devido à importância da caligrafia, à alta complexidade dos manuscritos e ao grande número de caracteres.

Já a prensa de Gutenberg, se adequava bem ao sistema de escrita europeu. E seu avanço ocorreu sob forte influência da região onde onde a cidade está localizada.

Na Idade Média, Mainz era um dos principados eclesiásticos mais importantes do Sacro Império Romano-Germânico – sua diocese e arcebispos eram o centro do poder e da dominação política.

Gutenberg foi um aristocrata instruído e empreendedor, ele identificou a necessidade da Igreja de modernizar sua técnica de reprodução de manuscritos, que até então eram copiados à mão pelos monges. Um processo extremamente lento e trabalhoso, que não acompanhava a crescente demanda por livros na época.

O surgimento da imprensa

No livro Revolutions in Communication: Media History from Gutenberg to the Digital Age (“Revoluções na Comunicação: História da Mídia, de Gutenberg à Era Digital”, em português), Bill Kovarik, professor da Universidade de Radford, nos EUA, introduz o conceito de “mão de obra do monge”. Segundo Kovarik, “um monge” equivale a um dia de trabalho – cerca de uma página – para uma copiadora de manuscritos. A criação de Gutenberg ampliou a produtividade de um monge em 200 vezes.

O processo de impressão na prensa de Gutenberg acontecesse da seguinte maneira: Primeiro, uma liga de metal é aquecida e derramada sobre a matriz (molde usado para fundir os caracteres). Quando a liga esfria, as pequenas letras de metal são reorganizadas em palavras e frases, compondo o conteúdo de uma página, e em seguida, revestidas com tinta. Finalmente, um papel é colocado em cima do molde. Na sequência, uma placa pesada faz pressão sobre ele. Esse método se assemelha ao da prensa de uva para produção de vinho. Acredita-se que Gutenberg se inspirou na prensa de vinho para criar seu sistema de impressão.

A Bíblia de Gutenberg

A prensa de Gutenberg é associada à revolução da comunicação de massa. Após cerca de 15 anos de desenvolvimento – e um enorme aporte de capital -, Gutenberg publicou sua primeira Bíblia em 1455.

“A Bíblia de Gutenberg é um trabalho extraordinário de habilidade”, diz Kovarik.

Segundo ele, é possível notar uma forte motivação religiosa na perfeição de seu trabalho.

“Isso não era incomum na época. Por exemplo, um escultor tentaria fazer uma estátua perfeita em um canto remoto de uma das grandes catedrais, não somente para as pessoas cultuarem, mas como uma expressão de fé pessoal.”

Revolução impressa

Da tiragem original de cerca de 150 a 180 Bíblias, apenas 48 existem até hoje. Dois exemplares estão em exibição no Museu Gutenberg em Mainz. E ambos são ligeiramente diferentes. Após a impressão, as páginas eram levadas para serem rubricadas à mão por calígrafos especializados, que pintavam determinadas letras de acordo com o gosto dos clientes. As Bíblias de Gutenberg acabaram se tornando best-sellers.

Inicialmente, a Igreja recebeu bem a idéia de disponibilizar bíblias impressas e outros textos religiosos. A impressão permitia propagar a mensagem cristã e levantar dinheiro em forma de “indulgências” – documentos que concediam o perdão divino a quem pagasse. No entanto, o poder subversivo da palavra impressa logo ficou evidente.

Na década de 1470, todas as cidades europeias tinham gráficas e, nos anos 1500, cerca de 4 milhões de livros já tinham sido impressos e vendidos. Com a rápida difusão da tecnologia de impressão, novas ideias – muitas vezes contraditórias às da Igreja – começaram a ser divulgadas, como as 95 teses de Martinho Lutero, que criticava a venda de indulgências.

Dizem que Lutero pregou o texto na porta da Igreja de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517. Poucos anos depois, mais de 300 mil cópias já haviam sido impressas e distribuídas, levando à Reforma Protestante e a uma ruptura permanente dentro da Igreja.

Mas, apesar do amplo alcance e do impacto de sua invenção, pouco se sabe sobre o próprio Gutenberg – a história do cidadão mais ilustre de Mainz segue envolta em mistério.

Mas, apesar de Gutenberg quase não ter deixado rastros físicos, sua influência pode ser observada por toda parte – seja em um anúncio publicitário de cosméticos, em uma mulher lendo o jornal em um café ou no cardápio de um restaurante.

Além disso, a revolução da comunicação digital em curso atualmente é mais uma etapa dos avanços que começaram com Gutenberg.

“Toda vez que o custo da mídia diminui rapidamente, você permite que mais pessoas se manifestem, e você tem uma diversidade maior de vozes”, afirma Kovarik, explicando como isso afeta a distribuição de poder na sociedade e provoca mudanças sociais.

Paradoxalmente, no entanto, a revolução digital também pode ser vista como um retorno à era pré-impressão. É o que diz a Teoria do Parêntese de Gutenberg, desenvolvida por Thomas Pettitt, professor na Universidade do Sul da Dinamarca.

“A impressão conferiu estabilidade ao discurso: obras em livros eram oficiais; notícias impressas eram verdadeiras. Na ausência da impressão, a notícia perdeu sua autenticidade e, como na Idade Média, é sinônimo de boato. Estamos agora na fase da pós-notícia, onde provedores de fake news podem acusar a imprensa legítima de propagar notícias falsas e escapar impunes”, explica Pettitt.

Seja qual for o impacto da revolução digital do século 21, podemos fazer um prognóstico: assim como aconteceu na revolução da imprensa, seus efeitos vão repercutir ainda por muitos e muitos anos.

 

Fonte: Época Negócios

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